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A ignorância aos fundamentos da democracia brasileira e o prejuízo social coletivo ante à polarização ideológica

A democracia brasileira enfrenta tempos difíceis tendo como agravante compreensões divergentes que polarizam ideais distintos e fragilizam os princípios fundantes da democracia ferindo direitos fundamentais da pessoa humana e robustecendo os discursos de “morte do estado democrático”.

Antes de partirmos para o desenvolvimento desse texto, é imprescindível trazermos os conceitos do que vem a ser democracia, polarização e princípios.

Emprestando a sabedoria de Norberto Bobbio, democracia caracteriza-se pela constituição pactuada de um conjunto de regras fundamentais que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais procedimentos devem ser utilizados. Referidas regras são denominadas por Bobbio como universais processuais, à saber: a) todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade sem distinção de quaisquer naturezas, devem gozar de direitos políticos; b) o voto de todo o cidadão deve ter igual valor; c) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para votar; d) igualmente devem ser livres no sentido de que devem ser colocados em condições de escolher entre distintas soluções; e) sendo para as eleições, ou para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica; 6) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos de uma minoria”.

Ainda trazendo um segundo conceito de democracia, segundo Pontes de Miranda na sua obra Democracia, igualdade, liberdade, ele diz que democracia é a participação do povo na ordem estatal; na escolha dos chefes, na escolha dos legisladores, na escolha direta ou indireta dos outros encarregados do poder público.

Por sua vez, conforme o site politize, o conceito estrito de polarização num contexto político, compreende simplesmente a divisão de uma sociedade em dois polos a respeito de um determinado tema. Porém, essa palavra tem sido usada de um modo mais negativo: polarização é como chamamos a disputa entre dois grupos que se fecham em suas convicções e não estão dispostos ao diálogo.

No que tange aos princípios, usando o conceito disposto na obra Conceito de Princípios Constitucionais de Ruy Samuel Espíndola, citando Bonavides, nos traz como definição que: “Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam e portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam (…) estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contêm”.

Numa linguagem mais simples, o site significados conceitua o termo princípio trazendo sua base do latim principĭum, que significa “origem”,”causa próxima”, ou”início”. Os princípios também podem estar associados às proposições ou normas fundamentais que norteiam os estudos, sobretudo os que regem o pensamento e a conduta.

Superadas as conceituações, vejamos algumas informações antes de nos ater à proposta temática no que tange aos ditames fundantes do Estado brasileiro, sendo estes, robustecidos pelos princípios regentes da nossa democracia e chancelados pela sapiência do arcabouço jurídico vigente mais importante do Brasil, que é a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1.988.

Sendo o Brasil um país continental com uma área de 8.515.767 km², com uma população aproximada de 215.243.490 ( https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html – acesso em 19/10/2022, às 12:26), que no auge dos seus 522 anos de descobrimento, além de celebrar o bicentenário de independência, muito embora já tenha vivido preteritamente dias inglórios que deixaram máculas de segregação tanto num período que remete a vergonhosa escravização de pessoas, quanto posteriormente tendo vivido o horror do período ditatorial, ainda nos dias atuais, talvez, movidos pela memória curta dos gritos do horror do passado, hoje enfrenta um momento sensível, vez que, os princípios elementares da nossa democracia que foi conquistada à duras penas estão sendo deixados em segundo plano e utilizados com destreza como meros figurantes num pano de fundo, enquanto seus cidadãos ora aplaudem, ora repudiam ou acintem o protagonismo de “figurões” que ao invés de apresentarem propostas para melhorar as condições de vida e desenvolvimento da nação, denotam ser mais importante acusarem-se reciprocamente como se estivessem numa apresentação infantil de “tom e Jerry”, fazendo com que muitos cidadãos sintam vergonha e desalento ao se depararem com as opções dos que são considerados ”aptos” na corrida elegível para representar um país tão produtivo e especial como é o Brasil.

O pior neste cenário, é enxergar a antiga e velha praxe da política do pão e circo sendo aplicada dia após dia, enquanto suprimem das grades curriculares matérias que seriam essenciais para romper as vendas de muitos, especialmente daqueles que não nutrem o hábito por leituras, estas que são essenciais e imprescindíveis para suprirem as lacunas intencionais no sistema de ensino e devido a isso levam multidões a receberem a nomenclatura de “meros repetidores das ideias alheias” onde nada questionam, não têm opinião própria, tampouco são capazes de debater sobre assuntos que decidem a sorte das massas bem como as próprias, ainda que individualizadas; afinal, mentes não pensantes são sempre mais fáceis de manipular. Não à toa que jocosamente hoje ouvimos discursos atribuindo a alguns a nomenclatura de geração do “control C X “control V.

Como se isso não bastasse, percebe-se também paixões ideológicas desenfreadas que creem em verdades absolutas e que são alimentadas cotidianamente com materiais que criam uma barreira impeditiva de se enxergar além ou aquém das possibilidades apresentadas e por vezes limitadas, instigando um poderio que muitas vezes se assemelha com a Lei de Talião, contribuindo assim para a sensação de ruir da democracia.

É perceptível que há manipulação dos detentores do poder em muitas searas, mas, especialmente, na mitigação e propagação de saberes fidedignos, e, fazem isso com uma habilidade tão “sutil” que ainda são aplaudidos, quando na verdade deveriam ser inquiridos dos porquês das reais onerações e/ou benesses.

É de suma importância atentar-se as fontes das notícias, bem como suas bases de dados, pois, em tempos de voracidade digital há disseminação de ódios gratuitos onde muitos se escondem atrás de perfis falsos (fakes), ou mesmo se fiam na certeza da impunidade quanto ao cometimento dos seus ilícitos por se considerarem “amigos do rei”, ainda que tenham causado danos irreparáveis a terceiros; sejam esses danos de caráter material ou moral, ferindo a honra e dignidade destes que irresignados, quando vão buscar alento no judiciário, não raras vezes recebem como resposta que ali não constituiu “crime”, mas tão somente um mero dissabor.

Atentemo-nos que são situações análogas a essas que fragilizam a democracia e colocam o sistema de justiça em xeque, gerando assim a temerária “insegurança jurídica” e aumento da sensação que “o crime compensa”.

Em tempos polarizados, onde ignora-se a própria essência da democracia, não é demais lembrar-nos dos ditames constitucionais, regentes e vigentes do Estado Democrático brasileiro que traz no preâmbulo da Lei maior do país, a Constituição Federal de 1.988, e de forma cristalina aduz:

Preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”

Dando seguimento aos ensinamentos trazidos pela lei maior, notem que já no artigo primeiro da Carta Magna ( Constituição Federal de 1988), no título I, onde trata dos princípios fundamentais, estão elencados nos incisos I a V, os pilares sobre os quais são fundamentados a democracia e o seu parágrafo único é categórico em asseverar que todo o poder emana do povo; senão vejamos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O artigo segundo, também nos traz importante ensinamento sobre a harmonia e independência dos poderes da união, onde aduz que: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Notem a seguir que, segundo a melhor doutrina, preteritamente, cientistas já estudavam a teoria da separação dos poderes, tendo como incentivo a experiência vivenciada que em maior ou menor grau, todo homem que tem poder é tentado a abusar dele, indo até os seus limites.

“Na Teoria da Separação dos Poderes, conhecida também, como Sistema de Freios e Contrapesos que foi consagrada pelo pensador francês Charles-Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu, na sua obra “O Espírito das leis”, Montesquieu acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e os limites de cada poder. Assim, nesse sistema, os poderes do Estado seriam divididos em: Legislativo, Executivo e Judiciário, onde, o Poder Legislativo possui a função típica de legislar e fiscalizar; o Executivo, de administrar a coisa pública; enquanto ao Judiciário caberia julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses.

Aplicar o Sistema de freios e contrapesos significa conter os abusos dos outros poderes para manter certo equilíbrio. Por exemplo, o Judiciário, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei é um freio ao ato Legislativo que poderia conter uma arbitrariedade, ao passo que o contrapeso é que todos os poderes possuem funções distintas fazendo, assim, com que não haja uma hierarquia entre eles, tornando-os poderes harmônicos e independentes.

Para Montesquieu a liberdade estaria em fazer tudo o que as leis permitissem e a liberdade política só se acharia presente nos governos moderados. Por isso, Estados livres, para ele, eram os Estados moderados, onde não se abusasse do poder, muito embora a experiência lhe dissesse que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele, indo até os seus limites. Para que o abuso de poder não ocorra, é necessário que “o poder freie o poder”. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhaseprodutos/artigos-discursoseentrevistas/artigos/2018/consideracoes-sobreateoria-dos-freiosecontrapesos-checks-and-balances-system-juiza-oriana-piske).

Diante do delineado sobre democracia e a teoria da separação dos poderes, podemos dizer que estamos cumprindo as diretrizes constitucionais, ou estamos fazendo como o cidadão que ao limpar a própria casa e movido pela preguiça, joga toda a sujeira embaixo do tapete, ainda que tenha consciência que aquela tapeação não se sustentará ao menor esforço de uma criança que ao brincar sentada no referido tapete, inocentemente, levanta a ponta desse e ali revela ao mundo tudo o que foi maquiado?

E ainda podemos ir mais além, analisando o cenário apresentado nas últimas décadas, podemos dizer que há uma separação fidedigna dos poderes, ou o que se apresenta é uma chicana generalizada realizada num tabuleiro de cartas marcadas onde revive-se a máxima: “para os amigos, tudo; para os inimigos, a letra fria da lei!”?

Partindo para o artigo terceiro (3º), ele nos traz os objetivos fundamentais que constituem a República Federativa do Brasil, quais sejam:

I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – Garantir o desenvolvimento nacional;

III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ainda que, numa análise superficial dos incisos pertencentes ao artigo 3º supracitado, podemos considerar que os objetivos fundamentais que constituem a República Federativa do Brasil foram ou estão sendo alcançados, ou o que é perceptível é um esforço pela manutenção de um círculo vicioso e dependente dos cidadãos numa clara execução de um plano gestor cruel, desigual, segregador, omisso e seletivo que vai de encontro a todas as regras estabelecidas na Lei maior do Estado brasileiro?

Muito ouvimos falar em igualdade (isonomia), mas, na prática, infelizmente, ela ainda é uma utopia.

É crível que dentre os 250 artigos contidos na Constituição Federal do Brasil, o mais conhecido é o artigo quinto (5º), disposto no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais que no seu capítulo I trata Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos e seu texto aduz que:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”

Ante o teor insculpido nos ditames assecuratórios do artigo 5º da Constituição cidadã de 1.988 e levando em consideração os mais distintos discursos polarizados reverberados de maneira enfática na atualidade, podemos ficar tranquilos e deixar o barco seguir o curso da maré sem nos preocupar se em determinada altura ele será aplacado, impulsionado pela fúria das água navegáveis que o arrebentará nos paredões rochosos restando apenas em meio as ruinas um sinal nostálgico do fôlego e virilidade que outrora se perfez, ou é imprescindível que os cidadãos acordem e ocupem seus espaços de fala buscando compreender as reais regras do jogo se colocando como um jogador que necessita, ora ser atacante, ora ser defesa?

Numa análise fria do ocorrido nos últimos tempos na democracia brasileira, é de suma importância trazer à reflexão que o que está em perigo de perecer não são os ideais narcísicos ou crenças limitantes de alguns; o que se apresenta em risco iminente é o ruir dos direitos primevos e imprescindíveis a todo ser humano, que outro não é, senão, os Direitos Humanos Fundamentais. Ademais, fiquemos atentos, pois se vivemos numa democracia e validamos a censura pelo fato dela está sendo cometida contra alguém que está do outro lado da mesa, isso além de um ato covarde, não coloca em risco apenas o direito de terceiro, na verdade representa um abalo imensurável aos pilares que sustentam a democracia e assim como a ferrugem, se nefastas atitudes não forem contidas, estaremos cada dia mais propensos a vivenciarmos o ruir de um Estado Democrático de Direito.

Em que pese haver os mais distintos tipos de paixões desenfreadas, é imprescindível termos em mente que a Democracia vive e a Constituição Federal de 1.988 embora tenha sofrido díspares ataques, ela sobrevive, está vigente e deve ser respeitada.

Por fim, considerando que há aqueles que adoram um espetáculo, o encerramento deste texto se faz com a icônica frase de Alice no país das maravilhas, que diz: “Quando não se sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”

Referências:

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-democracia-moderna-na-concepcao-de-n… – Acesso em 19/10/2022 às 11:30

https://www.politize.com.br/o-queepolarizacao/- Acesso em 19/10/2022 às 11:54

https://www.google.com/searchq=principios&oq=principios&aqs=chrome..69i57j0i131i433i512j0i512j0i131i433i512l2j0i512l4j0i131i433i512.3091j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 – Acesso em 19/10/2020 às 12;03

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm – Acesso em 19/10/2022 às 12:04

https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html – acesso em 19/10/2022, às 12:26

( https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhaseprodutos/artigos-discursoseentrevistas/artigos/2018/consideracoes-sobreateoria-dos-freiosecontrapesos-checks-and-balances-system-juiza-oriana-piske).

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2000

MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade. Atualizador: Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2002.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed. rev., atual. e. ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

Texto postado em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-ignorancia-aos-fundamentos-da-democracia-brasileira-e-o-prejuizo-social-coletivo-ante-a-polarizacao-ideologica/1671603094?utm_medium=social&utm_campaign=link_share&utm_source=WhatsApp

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